A tendência frente a uma Pandemia é que, em algum momento, os casos deixem de surgir, os hospitais voltem à sua capacidade usual e, na medida do possível, a vida se normalize. Contudo, após o combate contra este inimigo invisível chamado COVID-19, como será que a população vai sair desta situação do ponto de vista emocional?
A separação dos entes queridos, a perda de liberdade, a incerteza sobre o status da doença, os riscos de contaminação, as possibilidades de perdas afetivas e financeiras e o tédio podem, ocasionalmente, criar efeitos notórios: estudos mostram que indivíduos que passaram por situações de emergência em saúde pública podem apresentar sintomas de estresse em diferentes graus, mesmo após o fim da situação em questão. Em alguns casos, pode ocorrer Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
Tal patologia está mais comumente associada a cenários de guerra. Foi assim na Guerra Civil Americana, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, na guerra do Vietnã e, nos atentados do dia 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono. Contudo, há também relatos de TEPT principalmente em profissionais de saúde que estão na linha de frente ao combate a doenças infecciosas pandêmicas, podendo ocorrer na situação atual relacionada ao coronavírus e à COVID-19.
O diagnóstico é dado quando há desenvolvimento de sintomas após a exposição a evento traumático que envolva ameaça de morte ou de lesão grave. Pode haver manifestações como pesadelos e/ou lembranças involuntárias e angustiantes relacionadas ao evento, flashbacks/ rememorações do trauma, sofrimento e/ou reações fisiológicas intensas frente à exposição a quaisquer sinais que simbolizem ou que lembrem o evento traumático. Ademais, frequentemente ocorre evitação de situações, pessoas e lembranças que de alguma forma se associem ao evento em questão. Após o evento, podem ocorrer alterações no humor e na cognição do individuo afetado, como medo, pavor, raiva, desinteresse em atividades (incluindo trabalho), incapacidade de sentir emoções positivas (como felicidade), dificuldade de concentração, hipervigilância e surtos de raiva. Também são comuns alterações no padrão de sono.
Se mesmo entre aqueles que não fazem parte dos grupos de risco grande receio está presente, imaginem entre os que estão mais suscetíveis a contrair COVID-19, como idosos, pessoas com a saúde debilitada e profissionais de saúde. O medo também se relaciona à dura realidade de saber que milhares de pessoas estão morrendo diariamente nesta guerra viral, e muitas vezes tal sentimento é fomentado por notícias falsas (geralmente sensacionalistas e alarmistas), por isso lembre-se de checar informações em fontes confiáveis!
Para que você, leitor, tenha ideia do cenário, estudos evidenciaram que, entre aqueles com TEPT após um desastre, a depressão como comorbidade é comum. Como exemplo, podemos citar que em Hong Kong, alguns profissionais de saúde que trabalharam em estreita colaboração com pacientes durante o surto de SARS* (Síndrome Respiratória Aguda), em 2003, apresentaram sintomas depressivos apenas um ano depois do ocorrido.
Além do impacto psicológico da pandemia atual, o impacto psicológico da quarentena também é retratado em diversos estudos. A maioria dos estudos revisados relatou efeitos psicológicos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva.
Ao examinar as consequências psíquicas do surto de SARS dos funcionários de um hospital em Pequim, na China, pesquisadores constataram que cerca de 10% dos entrevistados experimentaram altos níveis de sintomas de estresse pós-traumático desde o surto de SARS. Os entrevistados que foram colocados em quarentena, trabalharam em locais de alto risco (como enfermarias) ou tiveram amigos ou parentes próximos que contraíram SARS, eram 2 a 3 vezes mais propensos a apresentar altos níveis dos sintomas característicos de TEPT do que aqueles sem essas exposições.
A quarentena é uma vilã?
Definitivamente não, e os estudos vem mostrando isso. Entretanto, os profissionais de saúde e os formuladores de políticas públicas precisam estar cientes de que quando somos assolados por um dano, como o que temos visto agora, marcas são inscritas e geram consequências.
Mesmo que o dano em âmbito quantitativo em comparação com a população global seja pequeno, o dano afetivo de se perder um ente querido é imenso. Não temos como não nos mobilizar frente a este cenário.
E é justamente por este motivo que na nossa página você pode encontrar inúmeras formas de prevenir sensações negativas durante a quarentena e medidas de segurança ao se expor fora dela.
Cuidar de você e dos seus familiares é de suma importância neste momento!
* SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) é uma condição respiratória que ocorreu secundariamente a uma infecção por um subtipo de vírus corona em 2002. Na época, ocorreu surto com mais de 8 mil casos em todo o mundo, inclusive Canadá e Estados Unidos, e mais de oitocentas mortes até meados de 2003.
Referências Bibliográficas
DUAN, Li; ZHU, Gang. Psychological interventions for people affected by the COVID-19 epidemic. The Lancet Psychiatry, v. 7, n. 4, p. 300-302, 2020.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.
Figueira, Ivan, & Mendlowicz, Mauro. (2003). Diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático. Brazilian Journal of Psychiatry, 25(Suppl. 1), 12-16.
Wu P, Fang Y, Guan Z, et al. The psychological impact of the SARS epidemic on hospital employees in China: exposure, risk perception, and altruistic acceptance of risk. Can J Psychiatry 2009; 54: 302–11.
Rubin GJ, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ 2020; 368: m313.